26 de novembro de 2010

“...o sorriso continua sendo a melhor vitamina pra impulsionar as inteligências e os facões. Uma revolução que não salve a alegria por baixo ou por cima de todos os seus valores essenciais está destinada ao fracasso, à lenta paródia do que não chegou a ser; e que não se confunda a frivolidade, que não vai além das superfícies, com a alegria, essa conciliação e essa harmonia do homem livre com seu âmbito, sua sociedade, seu mundo”.
Júlio Cortázar, Papéis Inesperados. Circunstâncias.

 

25 de novembro de 2010

Dia 17 de outubro, dia de Nossa Senhora dos Amores



Nossa Senhora dos Amores, Anne “Ninon” de l'Enclos, também chamada Ninon de Lenclos ou Ninon de Lanclos, foi assim canonizada por Walpole, devido a sua vasta coleção de amantes. Dentre eles o Marquês de Villarceaux e íntimo do Rei Luís XIV, que, por sua vez, não dispensava os conselhos da cortesã. Outro grande amigo seu é Molière, para quem ela corrigiu, a pedido do próprio autor, a primeira versão da peça "Tartufo", estreiada em 1664. Até em idade avançada ela não saiu da ativa, colecionando aventuras amorosas por onde quer que passasse. Culta, grande amante das artes e sábia, alguns meses antes de sua morte, com quase 90 anos, Ninon se faz apresentar ao jovem Aruet (Voltaire), então com cerca de 13 anos, a quem lega 2.000 libras para que ele pudesse comprar seus livros. Ela nasceu dia 10 de novembro de 1620 e faleceu dia 17 de outubro de 1705. Depois de sua morte não temos notícias de nenhum milagre feito por ela. Mas oras bolas! O amor nada tem a ver com milagres.


PS: Neste dia, fazer o mesmo penteado em honra dela.

24 de novembro de 2010

Noventa e seis anos de Take Five


Há 96 anos nascia o saxofonista Paul Desmond, autor de "Take 5", simplesmente minha música preferida de todo o universo, com certeza. Até hoje agradeço ao André de Leones por ter me aplicado isso num antigo blog que ele tinha.


23 de novembro de 2010

O problema é que a naturalidade e a realidade se tornam inimigas, sem se saber por quê; existe uma hora em que o natural soa espantosamente falso, em que a realidade dos vinte anos se acotovela com a realidade dos quarenta e em cada cotovelo há uma gilete nos cortando o saco. Descubro novos mundos simultâneos e distantes, cada vez suspeito mais que estar de acordo é a pior das ilusões. Por que esta sede de ubiquidade, por que esta luta contra o tempo?



Capítulo 21

21 dias com Rimbaud

Lua em gêmeos, noite bem dormida em dias, e o encontro com Rimbaud antes do meio dia. Eu sei, é improvável que fosse este demônio desencarnado. Ele não poderia aparecer antes da segunda parte do dia. No entanto, ele não dorme, não descansa e me aparece como um fantasma na tela do computador através de uma reportagem de Kelly de Souza. Agora, passemos das palavras ao fato:

Rimbaud chegou junto com o telefonema de Paulinha, nossa embaixadora na França de Sarkozy. Interrompi a leitura de um para falar com outro. Além de me contar que computadores de jornalistas estavam “misteriosamente” sendo roubados de forma sistemática, ela também, ao relatar uma história de amor de um casal inusitado, me contou dos punks que anda conhecendo por lá. Disse que eles vivem em caminhões super equipados de toda sorte de substâncias e elementos para uma rotina hedonista com horas vagas para manifestações de toda espécie. Primeiro, pensei em forças sinistras atuando enquanto um bando de macacos corria atrás do próprio rabo em busca da ideologia perdida. Mas depois vi que era muito mais que isso. Me pareceu que o espírito de Rimbaud ainda está diluído nestes jovens franceses descritos por Paulinha.

Eu só havia lido Rimbaud há muitos anos por causa de um pedantismo adolescente fundamentado numa citação na música do Legião Urbana: Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus, de Van Gogh e dos Mutantes, de Caetano e de Rimbaud. E, agora, depois de ler um resumo da sua biografia, percebo como ele antecipou há dois séculos atrás a experiência dessa primeira década vivenciada por nós. O melhor adjetivo que a reportagem traz é realmente a palavra “indestrutível”.

O que mais me impressionou nos detalhes de sua biografia, que eu desconhecia (logo, eu não sabia nada de Rimbaud), foi a sua precocidade, traduzida por mim como uma ferocidade para vida. Uma espécie de urgência, fome, própria de um espírito selvagem com uma dose incomum, para época, de individualismo.

Rimbaud era um ótimo aluno! Tirava as melhores notas e dominava com fluência as línguas antigas. Segundo a lenda, quando ele tinha quinze anos, o diretor do seu colégio decidiu escolhê-lo para representar a escola num concurso acadêmico. O tema era composto de uma única palavra: “Jugurta” (rei da Numídia, antiga Argélia). Às nove horas da manhã, o diretor encontra o poeta na sala de aula, absorto, sem que nenhuma palavra ainda escrita. Rimbaud olhou o diretor e reclamou: “Estou com fome”. Um lanche foi trazido até ele e, tão logo ele terminou de comer escreveu seus versos latinos, que, claro, venceram o concurso.

Meio a Guerra Franco-Prussiana, um ano depois, ele foge para Paris à pé. Nessa trajetória, ele escreve os poemas “Au Cabaret Vert” e “Ma Boheme” e envia a Paul Verlaine, dez anos mais velho, o poema “O Barco Ébrio”. A resposta é imediata. Um convite de Verlaine para Rimbaud ir a Paris. E o resultado bombástico: os dois se apaixonaram e construíram uma relação cercada de escândalos e excessos. Era a época em que nossa Paris existia no mundo real e era governada pela imaginação de grandes homens que viriam dar a reviravolta no mundo das artes. Era o lugar onde tudo acontecia. Em seus cafés, teatros, esquinas, tudo dependia do que pensavam os intelectuais que por lá circulavam, que vinham de todos os cantos, falavam todas as línguas, que habitavam uma cidade sempre pronta a receber o inédito, o ousado, o maldito.



Com a benção deste cenário, os dois poetas se entregaram a todo tipo de prova com bebidas e drogas, como absinto, haxixe e ópio, inspirados na ideia de que a criação poética era refém da experiência dolorosa e devastadora, e que só poderia ser obtida através da liturgia do caos, da vivência frenética e alucinatória.

Mas isso tudo não duraria muito. Aos dezenove anos, Rimbaud para de escrever. Coloca a mochila nas costas novamente e viaja por vários países até começar a investir no contrabando de armas. Aos trinta e sete anos já estava liquidado, apodrecido, com dores alucinantes, um cadáver insepulto. Seu corpo exalava os horrores de uma vida sem compaixão com o físico. Morreu em 10 de novembro de 1891 e a obra dele só foi difundida em 1912.

Rimbaud influenciou gerações de autores, compositores, cineastas e artistas. Na lista de Kelly: André Bretón, Henry Miller, Anaïs Nin, William S. Burroughs, Pier Paolo Pasolini, Alejandro De Michele, Hugo Pratt, Pablo Picasso, Mário Cesariny de Vasconcelos, Klaus Kinski, Patti Smith, Luis Alberto Spinetta, Eduardo Sanguinetti, Jorge Luis Borges, Vladimir Nabokov, Bruce Chatwin, Jim Morrison, Cevladé, Mohamed, Bob Dylan, Paulo Leminski, Kurt Cobain e muitos outros.

“Rimbaud era para mim como um poeta demoníaco, um “poeta maldito”, e o gostava de ser… A que estranha danação ele não arrastaria todos os outros? Rimbaud, com seu individualismo exacerbado, sua insubmissão. O selvagem Rimbaud. Ele assusta… mesmo preso! Rimbaud continua um mestre admirável na arte de escrever, um inventor de formas cuja originalidade não foi esgotada por nenhum de seus inúmeros imitadores”. André Gide.

Bom, depois disso tudo, só me resta decretar mais uma data cívica da Paris Imaginária: os 21 dias com Rimbaud, que vai de 20 de outubro (data do seu nascimento) a 10 de novembro. Como já passou, fica para o ano que vem. Daí, penso em fazer uma reunião com Paulinha para ela me detalhar mais essa curtição de punk de caminhão. Vou tirar daí as ideias e depois a gente vê no que dá. Por enquanto, fica só programado ler a biografia dele sugerida no site.



20 de novembro de 2010

Na pélvis (no capítulo 21)


Quem sou eu?
De onde venho?
Sou Antonin Artaud e basta que eu o diga
Como só eu o sei dizer
e imediatamente hão de ver meu corpo atual,
voar em pedaços
e se juntar sob dez mil aspectos diversos.
Um novo corpo no qual nunca mais poderão esquecer.

Eu, Antonin Artaud,
sou meu filho,
meu pai,
minha mãe,
e eu mesmo.
Eu represento Antonin Artaud!
Estou sempre morto.

Mas um vivo morto,
Um morto vivo.
Sou um morto
Sempre vivo.
A tragédia em cena já não me basta.
Quero transportá-la para minha vida.

Eu represento totalmente a minha vida.

Onde as pessoas procuram criar obras
de arte, eu pretendo mostrar o meu espírito.
Não concebo uma obra de arte dissociada da vida.

Eu, o senhor Antonin Artaud,
nascido em Marseille
no dia 4 de setembro de 1896,
eu sou Satã e eu sou Deus,
e pouco me importa a Virgem Maria.

19 de novembro de 2010

Na memória (no capítulo 21)

"Não é o medo da loucura que nos vai obrigar a hastear a meio a bandeira da imaginação" - André Breton

 

Leia o manifesto.

18 de novembro de 2010

Nas mãos (no capítulo 21)

René Crevel (1900-1935) é o mais esquecido dos surrealistas. Cinco adjetivos: 
Tuberculoso, passou temporadas em sanatórios.
Homossexual, esteve sempre rodeado de gente homofóbica (a mãe católica, o pontífice Breton, os comunistas).
Libertário, embarcou iludido no sovietismo francês.  
Inquieto, andou pelas ban- das da psicanálise, mas continuava a sentir-se "domador e fera" de si mesmo.
Tumultuoso e frágil, escreveu em 1925 que "A inteligência incita ao suicídio". Cumpriria essa vocação dez anos depois.

Citação:


"Esta noite sonhei - não é literatura - esta noite sonhei que não estava a sonhar. E afirmo que os pesadelos, mesmo para os mais assombrados de nós, apenas são ausências de pesadelo. A girar no vazio, o nosso espírito não poderia fazer-se à ideia de nunca mais girar. E na família dos nossos pensamentos, dos nossos amores, dos nossos ódios, é perpétua a história daquele homem que comia os filhos numa época de fome, para lhes preservar um pai".





17 de novembro de 2010

Nota histórica

Os franceses acabaram elegendo as tribos gaulesas como o marco zero da sua história, já que estas habitavam o atual território da França antes que os romanos ocupassem a Gália, no século I. Esta herança gaulesa ocupa o lugar central no imaginário francês. Considerados celtas, hoje não se sabe como eles denominavam a si mesmos. Tal denominação é dada pelas civilizações que com eles interagiram. A origem da palavra é imprecisa, mas supõe-se que seja indo-européia, kel-kol, que significa "colonizador", ou keleto, que significa rápido, pois eles se deslocavam à cavalo em suas incursões guerreiras sendo por isso também destacados por sua velocidade. Outra hipótese linguística seria a grega, keltoi ou galatai, invasor, que dá origem ao gentílico "gálata", para depois a palavra latina gallus, em francês gaulois, ou seja, gaulês. Os gauleses eram festivos, briguentos, supersticiosos e grandes bebedores de cerveja.
Eles acabaram sendo dominados pelos romanos nos séculos seguintes. No entanto, a cultura gaulesa não desapareceu completamente, deixando muitas contribuições que acabaram sendo incorporadas pelos romanos e pelos povos que os sucederam. A cerveja não foi uma delas. Como todos sabem, a cultura do vinho na França é uma herança romana. Um exemplo mais preciso é o sabanote. Embora os sírios já tivessem inventado o sabonete séculos antes, sua função era restrita ao uso medicinal. Já os gauleses o utilizavam tal qual o conhecemos hoje, para higiene pessoal.
Com a queda do Império Romano no Ocidente, a Gália Romana viria a ser invadida e ocupada pelos francos, um povo de origem germânica. De origem indo-europeu, frank significava livre. Como de fato eles eram em relação ao povo romano. Desde já os francos nutriam uma rivalidade com os alamanos que deram origem aos alemães.
Napoleão III erigiu uma estátua de sete metros de Vercingetorix em 1865. O escultor foi Millet de Aimé, no local suposto de Alesia, local onde teria ocorrido a batalha em que Julio Cesar venceu definitivamente as tropas gaulesas dando início a romanização da Gália.

Basta olhar na parede e minha alegria num instante se refaz

Pois temos o sorriso engarrafado.
Já vem pronto e tabelado, é somente requentar e usar...

14 de novembro de 2010

Mondrian e Maria Helena Vieira da Silva

"Você está procurando alguma coisa e não sabe o que é. Eu também. E também não sei o que é. Mas são duas coisas diferentes. Aquilo de que vocês falavam outro dia...


sim, você é um Mondrian e eu sou uma Vieira da Silva".



13 de novembro de 2010

11 de novembro de 2010

Cruz de Malta

Oliveira bebeu mais um mate. Tinha de cuidar da erva. Em Paris, custava quinhentos francos o quilo nas farmácias e tratava-se de uma erva perfeitamente asquerosa que a drogaria da estação Saint-Lazare vendia como vistosa qualificação de “mate sauvage cueilli par lês indiens”, diurética, antibiótica, e emoliente. Por sorte, um advogado de Rosário – que, a propósito, era seu irmão – tinha-lhe enviado cinco quilos de Cruz de Malta, mas já restava muito pouco. “Se a erva acabar, estou frito”, pensou oliveira. “O meu único diálogo verdadeiro é com esta bebida verde”. Estudava o comportamento extraordinário do mate, a respiração da erva fragrantemente levantada pela água e que, com a sucção, desce até pousar sobre si mesma, perdido já todo brilho e todo o perfume a não ser que um pouco de água a estimule de novo, autêntico pulmão argentino de reserva para as pessoas solitárias e tristes”.




Capítulo 19

10 de novembro de 2010

Em Prometeu Acorrentado, de Ésquilo, e também em Metamorfoses, de Ovídio, encontramos a lendária e bela Io.

As variantes deste mito trazem-na como sacerdotisa da Hera argiva e pertencente a raça real de Argos. Outras versões a tratam como uma ninfa, mas Io não é associada a nenhum elemento natural como as ninfas costumam ser.

Sua beleza despertou a paixão de Zeus, que, para cortejá-la, cobriu o mundo com um manto de nuvens escuras, escondendo seus atos da visão de Hera. A estratégia falhou e a deusa, desconfiada, desceu do monte Olimpo para averiguar o que estava acontecendo. Numa vã tentativa de iludir sua esposa ciumenta, o deus transformou sua amante em uma belíssima novilha branca. Intrigada pelo interesse do marido no animal e maravilhada com a beleza do mesmo, Hera exigiu a novilha para si e a pôs sob a guarda do gigante Argos Panoptes. Argos quando dormia mantinha abertos cinqüenta de seus cem olhos.

Zeus encarregou Hermes de libertar sua amada. Para tanto, o mensageiro dos deuses, usando a flauta de Pã, pôs para dormir os olhos despertos de Argos, enquanto os outros cinqüenta dormiam um sono natural, e cortou sua cabeça. Hera recolheu os olhos de seu servo e os pôs na cauda do pavão, animal consagrado a ela.

Io estava livre do cativeiro, mas não dos tormentos de Hera. O fantasma de Argos continuava a persegui-la. Io perambulou de Micenas para Eubéia. Atravessou a Ilíria e subiu o monte Hemos, na Trácia. O mar cujas praias percorreu recebeu o nome de Mar Iônio. O Estreito de Bósforo, que liga o Mar de Mármara ao Mar Negro, cujo significado é Passagem da Vaca, foi batizado assim após Io tê-lo cruzado a nado. Atravessou a Cítia e ao chegar ao monte Cáucaso, encontrou Prometeu acorrentado em uma rocha. O titã disse que, ao alcançar o Egito, ela seria restaurada a sua forma humana por Zeus e teria um filho. A criança seria a primeira de uma linhagem que culminaria com Hércules, que acabaria por libertar o próprio Prometeu.

Io fatalmente chegou às margens do Nilo. Cansada de tanto sofrimento, implorou a Zeus por um fim. O deus comovido foi falar com Hera e ambos restauram Io a sua forma humana. Ela teve um filho, Épafo, que foi roubado pelos Curetes sob ordens de Hera. Io recuperou o menino e reinou sobre o Egito, sob nome de Ísis e casada com Telégono. Sua coroa tinha dois pequenos chifres de ouro, lembranças de sua transformação.

Uma pequena lenda paralela diz que as lágrimas da novilha Io caíram sobre as asas de um inseto, marcando-as eternamente e dando origem à bela borboleta Inachis io.

Io é também uma das luas do planeta Júpiter, nomeado assim a partir da contraparte romana de Zeus.


9 de novembro de 2010

Johnny Dodds / New Orleans Wanderers - Perdido Street Blues




"(...)embora a pureza viesse a ser, então, um produto inevitável da simplificação, voando um bispo, voando as torres, saltando o cavalo, caindo os peões e, no meio do tabuleiro, imensos como leões de antracito, os reis permaneciam imóveis, ladeados pelo mais límpido e final e puro dos exércitos, ao amanhecer as lanças fatais se quebrarão e a sorte seria conhecida, haveria paz. Pureza, como a do coito entre os jacarés, não a pureza de oh maria mãe de todos com os pés sujos; a pureza do teto de ardósia com pombos que, naturalmente, cagam na cabeça das senhoras frenéticas de cólera e de punhados de rabanetes".

Capítulo 18