30 de agosto de 2010

Primavera Negra (1936)

Assim Robinson Crusoé não só encontrou um meio de tocar a vida, mas conseguiu até mesmo para si próprio uma felicidade relativa! Bravo! Um homem que se contenta com uma felicidade relativa. Portanto, não-anglo-saxão! Portanto, pré-Cristão! Atualizando a história, fazendo o contrário de Larousse, temos aí, portanto o relato de um artista que desejava construir um mundo para si próprio, a história do que talvez tenha sido o primeiro neurótico genuíno, um homem que naufragou a fim de viver fora de seu tempo em um mundo próprio que pôde partilhar com outro ser humano, même um sauvage. A coisa notável a observar é que, executando seu impulso neurótico, ele encontrou uma felicidade relativa mesmo sozinho em uma ilha deserta, sem nada mais talvez que uma velha espingarda e uma calça rasgada. (...) Uma concepção de felicidade relativa do século XVIII! E quando chega Sexta-feira, embora Sexta-feira ou Vendredi seja apenas um selvagem e não fale a língua de Crusoé, completa-se o círculo. (...) Um quadro da realidade do século XVIII. Daí para diante, nada mais de ilhas desertas. Daí para diante onde quer que a gente nasça é uma ilha deserta. Cada homem com sua própria ilha deserta, a ilha do eu em que ele está naufragado: felicidade, relativa ou absoluta, está fora de cogitação. Daí para adiante, todos estão fugindo de si próprios para encontrar uma imaginária ilha deserta, para viver este sonho de Robison Crusoé. Acompanhem as fugas clássicas de Melville, Rimbaud, Gauguin, Jack London, Henry James, D.H. Lawrence... milhares deles. Nenhum deles encontrou felicidade. (...) A Peste! A Peste do progresso moderno: colonização, comércio, Bíblias gratuitas, guerra, doença, membros artificiais, fábricas, escravos, insanidades, neuroses, psicoses, câncer, sífilis, tuberculose, anemia greves, lockouts, fome, nulidade, vacuidade, inquietação, esforço, desespero, tédio, suicídio, falência, arteriosclerose, megalomania, esquizofrenia, hérnia, cocaína, acido prússico, bombas de mau cheiro, gás lacrimogêneo, cachorros loucos, auto-sugestão, auto-intoxicação, psicoterapia, hidroterapia, massagens elétricas, aspiradores de pó, carne seca, hemorróidas, gangrena. Nada de ilhas desertas. Nada de paraíso. Nem mesmo felicidade relativa. Homens fugindo de si próprios tão freneticamente que procuram salvação embaixo dos campos de gelo ou em pântanos tropicais, ou então escalam os Himalaias ou se asfixiam na estratosfera...

O que fascinava os homens do século XVIII era a visão do fim. Eles tinham o suficiente. Desejavam voltar sobre seus passos, subir de novo para dentro do útero.



ISTO É UMA ADENDA AO LAROUSSE...



(...) A história de Robinson Crusoé deve sua atração – pelo menos para mim – ao momento em que a descobri. Vive em uma crescente fantasmagoria, uma parte viva cheia de fantasmagoria.(...)

Nada mais de olhar por buracos de fechadura! Nada mais de masturbar-se no escuro! Nada mais de confissões publicas! Desparafusem as portas de seus batentes! Quero um mundo onde a vagina seja representada por uma racha simples e honesta, um mundo que tenha sensibilidade pra osso e contorno, para cores toscas e primarias, um mundo que tenha medo e respeito por suas origens animais. Estou enjoado de olhar bocetas todo excitadas, disfarçadas, deformadas, idealizadas. (...) Quero hermafroditas que sejam verdadeiros hermafroditas e não farsantes andando por aí com um pênis atrofiado ou uma boceta ressecada. Quero uma pureza clássica, onde bosta seja bosta e anjos sejam anjos. (...)

(...) O que os papas murmuravam por trás de suas barbas é uma coisa – coisa diferente é o que mandaram pintar em suas paredes. As palavras estão mortas.

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