Capítulo 14
30 de setembro de 2010
27 de setembro de 2010
Do Livro de Manuel
Lendo Papeis Inesperados, do Cortázar descobri essa pérola de história (real*):
“(...) Escute, menina, escute com algo mais que essas orelhas bonitas, você também é as bonecas de Bellmer, tentação e possibilidade da metamorfose pelo amor, da verdade por um prazer capaz de violar redutos, de negar limites à cidade do homem ocidental, um caminho, menina, a rota dos seus seios rosados, as sombras das suas pestanas, o calor dessa boca que chupa o meu pau e morde docemente o sal entre os dedos dos seus pés, o cheiro do seu cabelo (...)”. J.C.
As iniciais H.L.M. da empresa parisiense de construção imobiliária são, aos seus olhos, uma saudação, um grande sorriso que lhe enviam. A megalomania, tão agradável, com o sentimento delicioso de já estar no centro de todos os acontecimentos, surge-lhe como um estado de eleição.
Este excerto, que pertence ao livro autobiográfico “O Homem-Jasmim”, foi escrito pela artista surrealista alemã Unica Zürn. O sentimento expresso nele pela autora, essa sensação “de estar no centro de todos os acontecimentos”, corresponde à vivência que Klaus Conrad descreveu, no seu livro clássico “A esquizofrenia incipiente”, como sendo a experiência nuclear da denominada fase apofánica da esquizofrenia, a anastrofé, “a vivência que tem o doente esquizofrênico de que tudo gira a sua volta”. O texto de Única Zürn é pródigo em transcrições de conceitos psicopatológicos da esquizofrenia, no entanto, o que torna este livro um testemunho único, é o talento que a autora mostra para transformar a vivência do adoecer psicótico num texto poético de rara beleza.
Única Zürn nasceu em Berlim, durante a Primeira Grande Guerra, no bairro residencial de Grunewald, no seio de uma família abastada. A partir de 1931, e ao longo da era nazi, trabalha na UFA, a maior produtora cinematográfica alemã na altura, primeiro como auxiliar de escritório e depois como argumentista de filmes de publicidade.
Em 1942, casa com Erich Laupenmühlen, com quem teve dois filhos (Katrin e Christian). Após a separação, em 1949, perde a custódia dos filhos, e passa a viver como jornalista e escritora, freqüentando os círculos artísticos de Berlim. Para financiar a sua subsistência, escreveu cerca de 140 contos para a imprensa diária berlinesa e diversas peças radiofônicas.
Após a Segunda Guerra Mundial, em 1953, conhece o pintor e fotógrafo surrealista Hans Bellmer (1902-1975), artista inclassificável, famoso como criador de fetiches surrealistas, graças a sua famosa série de bonecas (Poupées). Apaixona-se por ele e, nesse mesmo ano, o casal parte para Paris.
Na cidade das luzes, incitada por Bellmer, Única Zürn começa a desenhar e a escrever anagramas, uma espécie de jogo de palavras, que resulta do rearranjo das letras de uma palavra ou frase para produzir outras palavras. O anagrama foi uma das técnicas usadas pelos surrealistas – como a “escrita automática” ou os “cadáveres esquisitos” – para tentar reduzir ao mínimo o efeito das instâncias de controle e repressão do subconsciente. Se as frases representam o mundo organizado e lógico, então a busca de outras frases numa frase significa a busca de outros mundos atrás do mundo do dia-a-dia. A escrita anagramática, assim como a cabala, tornaram-se para Zürn quase uma obsessão, com as quais se afastava cada vez mais do mundo real. Ela própria descreveu este comportamento. “Prazer inesgotável o de procurar uma frase dentro doutra frase. A concentração e o grande silêncio que este trabalho exige dão-lhe a oportunidade de poder isolar-se completamente do mundo que a rodeia e até de esquecer a realidade – é isso o que ela quer.”
Por intermédio de Bellmer, Zürn conhece os artistas do círculo surrealista parisiense: Man Ray, Marcel Duchamp, Max Ernst, Hans Arp e Henri Michaux. O primeiro deixou-nos dela um famoso retrato fotográfico em escorço. O encontro com Michaux, por quem se diz que esteve apaixonada, será decisivo para a sua obra posterior: ele tornar-se-á, na forma duma relação imaginada e sob as iniciais H.M., no protagonista do livro O Homem-Jasmim.
A relação com Bellmer tinha, sem dúvida, muito na linha do transgressor mito surrealista do amour fou, um componente sadomasoquista, que ela teve a coragem de reconhecer: “O meu destino é ser uma vítima eterna”, escreveu. Bellmer era um grande perverso que, sublimou, como outros artistas, as suas pulsões sádicas através da arte, mas também foi o seu companheiro, o seu principal apoio artístico e emocional e o fiel defensor dos seus direitos quando Única, já muito desequilibrada, demonstrava não ter capacidade para tratar com os marchantes. Única Zürn tinha por ele sentimentos que oscilavam entre a admiração e a submissão. Talvez ela se tenha vingado dele no fim, quando em 19 de Outubro de 1970, se atirou pela janela do apartamento de Bellmer em Paris. Ele, paralisado desde há alguns anos, nada pôde fazer para evitar o desenlace fatal, e não teve outra escolha senão contemplar impotente o gesto dela desde a sua cadeira de rodas. Bellmer morreu em 1974 e foi enterrado ao lado de Única no cemitério do Père-Lachaise, sob uma campa com uma inscrição onde parece ecoar a história de amor além da morte d´O Monte dos Vendavais, romance tão caro para os surrealistas: “o meu amor seguir-te-á até a Eternidade”.
Fonte: http://www.saude-mental.net/pdf/vol11_rev2_leituras.pdf
26 de setembro de 2010
Satchmo, enormíssimo cronópio
"Parece que o passarinho mandão, mais conhecido por Deus, soprou no flanco do primeiro homem para animá-lo e dar-lhe espírito. Se em vez do passarinho tivesse estado lá Louis para soprar, o homem teria saído muito melhor".
concerto de Louis Armstrong em Paris, 9 de novembro de 1952, por Cortázar via Suplemento Literário de Minas Gerais
Capítulo [13]
25 de setembro de 2010
Essa eu não tenho...
The Yas Yas Girl [Merline Johnson]:
Font: http://mysite.verizon.net/ckearin/cortazarjazz.html
Well it's blues in my house, from the roof to the ground,
And it's blues everywhere since muy [sic] good man left town.
Blues in my mail-box cause I cain't get no mail,
Says blues in my bread-box 'cause my bread got stale.
Blues in my meal-barrel and there's blues upon my shelf
And there's blues in my bed, 'cause I'm sleepin' by myself.
O jogo da Amarelinha Capítulo [106]
Font: http://mysite.verizon.net/ckearin/cortazarjazz.html
23 de setembro de 2010
Era Uruguaio, embora não pareça.
(...)A metamorfose nunca apareceu a meus olhos senão como elevada e magnânima ressonância de uma felicidade perfeita, que esperava há muito. Finalmente, havia chegado, o dia em que fui porco! Exercitava meus dentes sobre a casca das árvores; meu focinho, eu o contemplava deliciado. Não restava a menor parcela de divindade; soube elevar minha alma até a excessiva altura dessa volúpia inefável. Ouvi-me, pois, e não vos ruborizeis, inesgotáveis caricaturas do belo, que levais a sério o ridículo relincho da vossa alma, soberanamente desprezível;(...) - Lautréamont. Os Cantos de Maldoror. pg 203 a 212
"Ah, Lautréamont", dizia a Maga, recordando o nome. "Sim, creio que o conhecem muitíssimo."
- Era Uruguaio, embora não pareça.
- Não parece, não - confirmou a Maga, reabilitando-se.
Capítulo [11]
Sim, crocodilos enormes...
...trombones na margem dos rios, blues arrastando-se...
Kansas City Six, ler capítulo [11], Jogo da Amarelinha
Todas as músicas de Mrs. Holiday
Até Leonard, o cachorro de Billie, tinha um olhar melancólico.
Para quem tem a pretensão de ter todas as músicas cantadas por Billie Holiday, este site é um mapa! Achei quando procurava pela falange Kansas City Six: Lester Young, Dickie Wells, Joe Bushkin, Bill Coleman, John Simons e Joe Jones.
Aqui, Godard é santo padroeiro de piratas (Evoé!)
Godard defende um condenado por pirataria na internet
James Climent é fotógrafo e enfrenta uma multa de 20 mil euros por violar direitos autorais musicais.
Um francês condenado por roubo de direitos autorais ao baixar milhares de músicas na internet encontrou um padrinho improvável: Jean-Luc Godard, o famoso diretor de cinema de 79 anos, que fez filmes como Acossado e Alphaville. Ele defende James Climent, um fotógrafo que enfrenta uma multa de 20 mil euros por violar direitos autorais musicais.
Climent, que mora em Barjac, uma pitoresca cidade antiga de artistas e fazendeiros de produtos orgânicos na região do Gard, no sul da França, quer levar seu caso ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, em Estrasburgo. A mais alta corte francesa rejeitou sua última apelação, em junho, ficando ao lado das agências que recolhem royalties musicais e que denunciaram Climent cinco anos atrás.
O fotógrafo disse que Godard doou 1 mil euros esse mês para seu fundo, dos 5 mil euros necessários para pagar advogados e outros custos necessários para levar seu caso ao tribunal europeu.
Enquanto as opiniões de Godard sobre propriedade intelectual são amplamente compartilhadas na periferia libertária da internet, pode parecer surpreendente que venham de um diretor que, segundo a lei francesa, detém o controle editorial sobre seu trabalho e obtém vantagem financeira disso.
No entanto, Godard, um dos pioneiros da Nouvelle Vague francesa na década de 1960, cujos filmes alfinetam as convenções da sociedade burguesa, claramente ainda se deleita em provocar o establishment, mesmo que isso possa lhe custar dinheiro.
Godard não foi encontrado, mas um sócio, que insistiu em se manter anônimo porque não tinha autorização do diretor para falar, confirmou a doação. Godard, disse o sócio, queria fazer um "gesto simbólico" para chamar a atenção sobre a situação de Climent.Além do dinheiro, Climent disse que recebeu um bilhete manuscrito e a foto de um modelo de veleiro e a despedida, "Surcouf, Jean-Luc Godard"– referindo-se a Robert Surcouf, um pirata dos tempos da Revolução Francesa.
A íntegra da reportagem aqui.
21 de setembro de 2010
O julgamento de valores é necessário no xadrez
Como o xadrez é também uma experiência empírica, pode-se estabelecer o valor intrínseco de cada peça. Este saber é fundamental, pois permite ao jogador fazer um julgamento mais justo durante uma partida. Frits Van Seters oferece duas equivalências para facilitar este raciocínio:
Bispo=cavalo=3 peões
Dama=2 torres=3 peças leves
No entanto, o valor intrínseco das peças é infinitamente variável e instável segundo o desenvolvimento da partida e as características inerentes a cada posição. Assim como a vida, nada é tão simples e facilmente resumido para o julgamento. Mas o conhecimento empírico ajuda a lidar melhor com as circunstâncias.
19 de setembro de 2010
Sèvres-Baylone
Tem que clicar na imagem pra percorrer a mandala
Paris é um centro, entende, uma mandala que é preciso percorrer sem dialética, um labirinto onde as fórmulas pragmáticas só servem para se perder. Então, uma breve cogitação que seja comorespirar em Paris, deixando que Paris também entre em nós, neuma e não logos.
Bravos soldados têm a inteligencia como melhor arma
Nos soldados, na hierarquia mais baixa de um reino, está a capacidade de superação. Apesar de só poder avançar sendo-lhe proibido o retorno e, ainda por cima, apenas uma casa por vez verticalmente, quando o peão atinge a primeira fileira do adversário, ele deve ser trocado no mesmo lance por uma dama, uma torre, um bispo, ou um cavalo da mesma cor, de acordo com a posição que ele alcançou.
Outra situação vantajosa é o prise en passant. É certo que o peão só toma em diagonal e que podem avançar duas casas quando em sua casa de partida. No entanto, se o peão adversário ultrapassou a metade do tabuleiro e se situa à distância de cavalo do seu peão na casa de partida em uma coluna contígua, quando você avançar duas casas ficando na mesma altura do preto, este pode tomar seu peão branco em diagonal como se você estivesse uma casa abaixo. E vice-versa, claro.
Encontrei este vídeo na internet que explica melhor:
Os oito peões são as oito Virtudes da Mãe Devi-Kundalini, que são: Compreensão, Vontade, Verbo, Reto pensar, Reto sentir, Reta maneira de ganhar a vida, que haja Paz e que haja Amor. Também representa o Arcano oito do Tarô: a Justiça, também representada por Atenas, a deusa da sabedoria e artes.
18 de setembro de 2010
Os gumes de se ruminar
A vizinha, por volta das 18h,começa a estudar violino. Ela está num estágio em que não há dúvidas de se tratar de um violino. Seu método consiste em repetir obsessivamente uma melodia como se quisesse dominar o movimento. Como se a repetição lhe garantisse, no quando da apresentação ou conclusão do aprendizado de uma sinfonia ou música, não haver surpresas consigo mesma. Como se um erro não escapasse à ordem de algum compositor que aprendeu a falar por meio do silencio. Ela começa e eu também fico quieta me repetindo o quanto foi bom ter agido como agi naquele tempo. Hoje ela praticou por 3h. Eu, quieta acompanhei-a e transbordei de melancolia. Quando ela terminou, desci, comprei duas latinhas de cerveja e fui ler para me convencer que não há nada na minha vida a ser melhorado.
Ontem à noite
17 de setembro de 2010
Single: como uma personagem de uma propaganda de sabonete.
Acho que camas de casais não são tão fundamentais. Todo aquele espaço para dois onde se deveria conjugar o dois em um. Tenho pânico de encontrar um parceiro que ache que o meu corpo ou o de qualquer outra pessoa lhe causa desconforto. Estes seres neuróticos e assépticos cobertos de politicamente correto e cartilhas de status quo. Por outro lado, explorar novas posições exige espaço. Dependendo com quem se esteja, é possível que alguém te esfregue por todo o limite do colchão. Inclusive, expandindo-se com partes do corpo no chão. É a liberdade do deitar e rolar. E, em caso de casamento, trata-se do espaço perfeito para conjugar leituras, ou a distância ótima numa briga para que esta não passe de bobagem... Essas coisicas da vida conjugal.
Pensei em ter cama de casal nessa minha solteirice crônica. Eu já sou uma mulher adulta, não estou num quarto na casa da minha mãe e... Simplesmente, não é de bom tom convidar um homem para dividir uma cama de solteiro com você. Eu mesma já me peguei com certos preconceitos a esse respeito. Mas o espaço que eu dispunha era pouco e eu prefiro mil vezes um bom guarda-roupa. Inclusive, se tivesse uma cama de casal não poderia ter meu criado mudo. Eu o adoro! Então comecei a pensar nos benefícios da cama de solteiro.
E a minha é uma delícia, tem o tamanho perfeito para mim, os livros, cadernos e amantes eventuais. Pensei nos últimos, todos dividiram uma cama de solteiro. Nunca pensei em termos de sorte ou azar, mas lembrei da gostosura de me fundir aos peitos gordinhos e quentinhos à procura de um ronronar. Ou do cobertor humano como se eu fosse um filhote de marsupial. Na pior hipótese a promíscua posição bunda com bunda. Mas nada que diminua a hora dos tais segredos de liquidificador. Quando se pode formar com o outro corpo um desenho de um coração na visão de uma aranha no teto. Até usei isso num conto em que dois adolescentes namoravam no quarto.
Pois é. Cama de solteiro é imaturo. Mas eu não me importo. Se o mundo fosse feito de dois tipos de pessoas, as que preferem manga verde à madura, eu diria que eu faria parte do grupo das que gostam da verde. Eu já falei que amo os começos?
16 de setembro de 2010
Punch and Judy
(...) encontravam-se muitas vezes em pleno labirinto de ruas, acabavam quase sempre por se encontrar e ficavam rindo como loucos, certos de um poder que os enriquecia. Oliveira se sentia fascinado pelos absurdos da Maga, pelo seu tranqüilo desprezo pelos cálculos mais elementares. Aquilo que para ele tinha sido análise de probabilidades, deliberação inspirada ou simplesmente confiança na rabdomancia ambulatória, passava a ser para ela, um autentico fatalismo. (...) andavam desse modo, Punch and Judy, atraindo-se e rejeitando-se, como é necessário quando não se quer que o amor termine em cromo ou em romance sem palavras. Mas o amor, essa palavra...
O jogo da amarelinha, [6]
*Punch & Judy é um casal clássico do teatro britânico de fantoches. A apresentação é tradicionalmente conduzida por um único manipulador, referido desde a era Vitoriana como ‘o professor’. Em 2006, em uma iniciativa cultural multimilionária lançada pelo governo inglês, Punch & Judy foram oficialmente incluídos entre os dez "ícones da Inglaterra", ao lado, entre outros, dos ônibus vermelhos londrinos e do peixe com batatas fritas. A façanha da dupla de bonecos, presente na Inglaterra desde o século 17, reforça a importância mundial do teatro de formas animadas.
**Fonte da imagem. http://www.ellenrixford.com/htmls/MechanicalPuppets.html
13 de setembro de 2010
Para começar a semana
Melpomene foi uma das nove musas da mitologia grega. Filha de Zeus, rei dos deuses, deus do céu e do trovão, com Mnemósine, uma das Titânides, deusa que personificava a Memória. Era a musa da tragédia, apesar de seu canto alegre. É representada com uma máscara trágica e usando botas de couro (coturnos), que marca também os atores trágicos. Empunhava a maçã de Hércules e era o oposto de Tália, a festiva, musa da comédia.
Tem uma borboleta que chama Heliconius melpomene. Este nome num bichinho que representa tão bem a efemeridade da vida e suas constantes transformações caiu muito bem.
Fonte: Wikipédia
Assim, uma pessoa pode rir e pensar que não está falando a sério, mas sim, está falando a sério, pois o riso, por si só, já cavou mais túneis úteis do que todas as lágrimas da terra, embora os pedantes engravatados não gostem de pensar que Melpomene é mais fecunda que Queen Mab*.
Júlio Cortázar, O Jogo da Amarelinha [71]
*Queen Mab é uma fada que aparece num discurso em Romeu e Julieta. Ela tem estatura bem pequena e conduz sua biga do nariz até o cérebro das pessoas para dar luz aos seus sonhos.
12 de setembro de 2010
Traiçoeiros e nada bondosos
Os bispos, nas cortes medievais, eram os que estavam mais próximos ao Rei. No Tarô de Marselha ele é o Papa, o arcano do ato da bênção, da iniciação, da demonstração, do ensino. O Pontífice representa a forma ativa da inteligência humana, que traz principalmente as soluções lógicas. Significa também os pensamentos inspirados por um nível mais alto de consciência. Seu mito é o de Quíron, rei dos centauros, autoridade espiritual e mestre de todos os jovens da mitologia.
Além de representar a parte do ser humano que se eleva às questões do espírito, ele também é uma espécie de curandeiro ferido. Por meio da própria dor, pode avaliar e compreender a dor dos outros. A mim, ele, no jogo de xadrez, mais parece aqueles padres e bispos corruptos de histórias e peças como o dos Três Mosqueteiros. Parecem que comem sempre pelas beiradas e o computador sempre me arma belas armadilhas com eles. Por isso não encontrei relação com esta “aparência bondosa” do signo. Ele está mais para descobrir suas fraquezas e, logo em seguida, acabar com você.
Seu movimento propicia muito isso. Desloca-se à vontade nas diagonais, sendo as colunas e fileiras interditas a seu movimento. Porém, somente pode se movimentar nas casas da mesma cor que a da sua casa. O que não é tão mal. Colocado no centro do tabuleiro, o bispo controla treze casas.
11 de setembro de 2010
Tell é mais leve que a Maga?
"(...)Sem ênfase, com uma liberdade de gata a que eu sempre lhe fora agradecido, Tell sabia juntar-se com beleza a qualquer viagem de trabalho e a qualquer hotel para me proporcionar esse encontro de Paris com tudo que Paris era então para mim (com tudo o que Paris não era então para mim), aquele interregno neutro em que se podia viver e beber e fazer amor como se se gozasse de uma dispensa, sem faltar uma fé jurada, eu que não havia jurado nenhuma fé. Duas ou três semanas numa terra de ninguém, trabalhando para o vento e brincando de se amar (...)"
Cortázar, 62 Modelo para Armar
9 de setembro de 2010
O segredo de Minos
Quando me aventurei a aprender jogar xadrez sozinha com o computador, a primeira descoberta que fiz – sempre pelo erro – foi que as Torres são exatamente torres no que elas têm de funções como: proteger e posição privilegiada de ataque. E só perdem em valor para as damas por não poderem se mover na diagonal. No mais, ela pode se deslocar à vontade ao longo das colunas e fileiras, o que dá uma folga e flexibilidade muito grande ao jogo. Para se ter idéia, qualquer que seja sua posição, a torre domina 14 casas.
Acho muito interessante a imagem das Torres. Elas simbolizam o estado de alerta percepção e de alerta novidade. Os cimentos da torre na época medieval eram de pedra e quase todas estavam feitas deste material, símbolo resplandecente de la Energia Sexual. Quando a gente tira a Torre num jogo de Tarô, ela representa a casa do Deus. Há também uma referência à história bíblica da Torre de Babel, em que Deus destrói uma torre construída pelo homem para chegar ao céu. E no Tarô mitológico grego refere-se ao labirinto do Minotauro. Aqui, a Torre tem a imagem psicológica da fachada socialmente aceitável que adaptamos para esconder nossa fera interior. Numa consulta, significa que as coisas que não se encaixam serão separadas definitivamente por Deus ou pelo Destino. Ou que, ao descobrir a própria natureza, ninguém pode mais fingir aos olhos do mundo.
Não sei até que ponto eu me deixo levar por isso. O que sei é que com as torres eu tenho a sensação do bote, do insight inesperado, da surpresa que armei bem na base do “quase sem querer”. Mas, como ainda estou no início das minhas especulações, termino por aqui. Preciso praticar mais e pegar intimidade. O que posso dizer, por hora, com certreza, é que adoro estas peças como se fosse uma Rapunzel que há muito se acostumou com seu cárcere. E, agora, descobriu uma nova forma de deixá-lo mais dinâmico.
Aqui folhas secas no chão são postais
Os plátanos são árvores do gênero Platanus da família Platanaceae, as quais são nativas da Eurásia e América do Norte e também típicas dos climas subtropicais e temperados. No geral são árvores de interesse ornamental, podendo atingir mais de 30 metros de altura. Possuem folhas lobadas semelhantes às do bordo, que ficam avermelhadas no outono antes de caírem no inverno, mas diferenciam-se dos bordos pelas flores reunidas em inflorescências globosas em contraste com os amentos presentes nos bôrdos, e também pela ausência de resina nos plátanos, entre outras diferenças estruturais menores.
Muitas vezes, crê-se que a folha do plátano é a que está simbolizada na bandeira canadense, no entanto, a folha ilustrada é a de bordo vermelho; a confusão ocorre devido a semelhança física entre elas. As duas árvores pertencem a gêneros diferentes: plátano (Platanus) e bordo (Acer).
Fonte: Wikipédia
8 de setembro de 2010
Aqui só andamos de bicicleta ou de pé calçado
(Por Aderbal Freire-Filho, Logo, do Globo)
Há cem anos morria, em Paris, o escritor francês Alfred Jarry, criador dos ciclos de Ubu Rei, personagem inspirado num professor de física que encarnava “todo o grotesco que há no mundo”. Mais tarde, em “Gestos e opiniões do doutor Faustroll”, lançou as bases da patafísica, “ciência das soluções imaginárias”. Precursor do teatro do absurdo (que combatia, pelo nonsense, a incomunicabilidade humana), Jarry é aqui homenageado por um dos cânones do movimento, o espanhol Fernando Arrabal, 75, autor da celebrada peça “O arquiteto e o imperador da Assíria”, que conviveu com Ionesco e Beckett e é discípulo ferrenho da patafísica. Vagamente inspirado por uma visita que fez recentemente ao Rio, Arrabal usa a bicicleta — veículo-mor da patalinguagem (junto com o absinto e o revólver) — para compor, em francês, especialmente para a página Logo, uma série de “notas jaculatórias” (a escrita dos patafísicos), publicada a seguir em versão bilíngüe.
A patafísica é a ciência daquilo que se sobrepõe à metafísica, seja nela mesma, seja fora dela, situando-se tão longe dela quanto ela da física. Exemplo: epifenômeno sendo frequentemente o acidente, a patafísica será sobretudo a ciência particular, embora se diga que não existe ciência senão do geral. Ela estudará as leis que regem as exceções e explicará o universo suplementar a este; ou, menos ambiciosamente, descreverá um universo que se pode ver e que talvez se deva ver em lugar do tradicional, as leis que acreditamos descobrir do universo tradicional sendo também correlações de exceções, embora mais frequentes, e, todo caso, de fatos acidentais que, reduzindos-e a exceções pouco excepcionais, não têm sequer atrativo da singularidade. Definição: a patafísica é a ciência das soluções imaginárias, que dá simbolicamente aos esboços as propriedades dos objetos descritos por sua virtualidade.
Alfred Jarry
Gestes et opinions du docteur Faustroll, Pataphysicien
“(...) A Vida é o Carnaval do Ser, e a ‘Patafisica será então uma ciência da Vida e não do Ser, uma ciência que se baseia no inútil movimento da lógica do absurdo. Tudo se resume à fórmula: O Ser não existe, só o Devir É.(...)”
Instrumento para afugentar moscas, autor desconhecido, 1850
- A Maga e eu falávamos de patafísica até nos cansarmos, já que a ela também acontecia (e o nosso encontro era isso mesmo, e muitas outras coisas tão obscuras quanto o fósforo) cair inesperadamente nas exceções, (...)
Horácio Oliveira
Cortázar, Histórias de Cronópios e Famas
"(...) que ao nosso lado esteja a mesma mulher, o mesmo relógio e que o romance aberto em cima da mesa comece a andar outra vez na bicicleta dos seus óculos".
Cortázar, Histórias de Cronópios e Famas
7 de setembro de 2010
A mosca
Vou ter que matar-te de novo.
Já te matei tantas vezes, em Casablanca, em Lima, em Cristiânia,
em Montparnasse, numa fazenda na província de Lobos,
no bordel, na cozinha, em cima de um pente,
no escritório, neste travesseiro
vou ter que matar-te de novo,
eu, com a minha única vida.
Cortázar, Papéis Inesperados
O elemento mais poderoso
“(…) num mundo onde você se movia como um cavalo de xadrez que se movesse como uma torre que se movesse como um bispo (…)”.
O Jogo da Amarelinha [1]
A Dama é o princípio universal da vida, o princípio divino feminino, o Rei desdobrado em Mulher, o Eterno Amor que flui e reflui. Ela é a outra metade de nosso Ser. Ela é a Sacerdotisa de Tebas. Reinou no Egito, como Vestal de Delfos, sob o nome de Pitonisa. Durante muito tempo na história da humanidade, o feminino reinou. Era A Deusa a maior divindade de todas, representada pela lua e a metamorfose de suas fases.
Assim, a liberdade de movimentos da Dama num tabuleiro de xadrez é formidável. Uma vez que os valores fundamentais do xadrez são o tempo, ou seja, a rapidez para realizar os planos, e o espaço, o domínio do maior número de efeitos, a dama é a peça que mais permite isso. Ela possui todos os atributos de movimento das outras peças. Desde que não esteja bloqueada, sua flexibilidade a faz poderosa.
De nada ela tem de sexo frágil no jogo de xadrez. Ela pode se movimentar quantas casas quiser, tanto ao longo das fileiras como das colunas diagonais. Para se ter idéia, colocada no centro do tabuleiro (e4), a Dama controla 27 casas.
Na vida, o homem enfrenta inúmeros problemas. Cada pessoa necessita saber como os resolver. O que o xadrez ensina é que toda solução está no próprio problema. Mas para tirar proveito deste fato é preciso que haja o equilíbrio perfeito entre a Mente, a Emoção e o Centro Motor. E quem melhor pode proporcionar isso é a Dama.
“E, então, nesses dias íamos ao cineclube ver filmes mudos, já que eu, com a minha cultura, não é verdade?, e você, infeliz, não entendia absolutamente nada dessa estridência amarela, convulsa, anterior ao seu nascimento, essa emulsão estriada onde corriam os mortos; mas, de repente, passava por ali Harold Lloyd e, nesse momento, você sacudia a água do sonho e, finalmente, conseguia convencer-se de que tudo se passara muito bem e de que podia esquecer Pabst e Fritz Lang”.
O Jogo da Amarelinha [1]
O real ser
O significado do Rei é a Sabedoria, nosso Real Ser, a Estrela Interior que sempre nos sorri. Talvez por isso ele seja a peça mais importante do xadrez ocidental. Sua captura é o único objetivo do jogo. Sendo assim, o Rei não pode permanecer sob ameaça das peças adversárias em nenhum instante, devendo ser colocado em segurança imediatamente no movimento seguinte, caso seja atacado. Ele pode movimentar uma casa na direção horizontal, vertical ou diagonal, desde que ela não esteja sob ataque adversário. Como sua captura é o objetivo do jogo, o Rei só pode capturar uma peça ou peão não-protegidos. O suicídio real é inadmissível no xadrez.
Quando ele é ameaçado, o atacante pode quebrar o silêncio da partida e anunciar "Xeque!" e, no caso do Rei não poder escapar da captura, temos o famoso "Xeque-mate!", cuja origem em persa significa o rei está morto. Aquele que conseguir dar o mate ganha, porque, elegantemente, A TOMADA DO REI NÃO OCORRE NUNCA!
Outra particularidade do Rei é o “pat”. Quando ele não está em xeque e não pode se mover ou por causa de um “depouillé”, quando ele está privado de todas as suas peças (neste caso há anulação da partida); ou quando o jogador é obrigado a mover uma de suas peças e se, também, não puder mover nenhuma delas.
Notei que quando eu jogava com o computador, o Rei fazia uma jogada de troca a troca com a Torre. Agora que estou lendo o livro aqui descobri que este movimento chama roque. Neste caso ele pode deslocar-se até várias casas horizontalmente. Nele, dois movimentos acontecem: o Rei se coloca horizontalmente duas casas e, em seguida, a Torre se coloca ao lado do rei, passando por cima deste e situando-se do lado oposto à sua casa de partida. Se for feito com a Torre do Rei é chamado Roque Pequeno. Se for feito com a Torre da Rainha, aí, é claro (rs), que o rock é maior, chamado Roque Grande.
A realização do roque tem, no entanto, certas condições.
1. Nenhuma das casas entre o Rei e a Torre podem estar sob ataque.
2. O rei não pode estar em xeque.
3. Pode ocorrer apenas uma vez durante a partida.
4. Nem o rei nem a Torre podem ter sido deslocados.
5. As casas que o separam devem estar vazias.
6 de setembro de 2010
Dia do neversário, como foi.
Vou me dar de presente uma lucidez libertadora. Não farei festa com motivo à toa… Eu vou embora, bato a porta, grito nunca, subo no salto e… E? Vou para uma torre com um copo de uísque e montes de cigarros para esperar ele voltar. Mas não foi eu quem fui? Espero, no entanto, ele voltar com um colar de escama de dragão. Essa é a única verdade. Minto que segui em frente quando fiquei sentada longe do olhar dos outros. Digo que finquei meu desejo na terra mas só enterrei meus pés nela. Não estou a salva entre torres se eu não me mover. Assim é a vida, segundo o xadrez.
Foto: Daniela Edburg
***
A gente, nestes dias de umidade baixa do ar, deve sonhar que está nadando e vez em quando entra água no nariz. Aí acorda assim...
Não temer números
Eu sou uma negação para matemática, mas agora, depois do xadrez, eu pretendo passar de negação para “tenho dificuldades”. Pois sendo um jogo de lógica, não vou condenar esta maravilha da abstração que ela é. Então pretendo considerar como lição cada detalhezinho do jogo.
Começo por anotar que o tabuleiro de xadrez é composto de 64 casas (quadradinhos) alternadamente brancas e pretas (32 brancas, 32 pretas). Observem aí todas as relações dos números com a forma. É mesmo o casamento perfeito da aritmética, álgebra e geometria. O xadrez como meditação pode começar aí, na simples observação do tabuleiro vazio. Só para vocês terem idéia, sessenta e quatro, para efeitos cabalísticos, também nos dá um total de 10, o qual representa a Lei da Recorrência, a Repetição, a Retribuição, a Roda do Samsara, as forças evolutivas.
As casas brancas, 32 (3 + 2 = 5), podem representar a lei do Dharma, a luz, as forças brancas que nos recebem e dão as boas vindas quando nascemos. Depois, chega o momento em que somos confrontados com outras forças vitais. A quantidade de casas pretas, também 32 (3 + 2 = 5), representam a lei do Karma, a disfunção e a morte. Como o bem e o mal não existem, uma coisa é boa quando nos convém e má quando não nos convém. O bem e o mal são uma questão de conveniências caprichosas da mente. Eles não existem, de forma que “um mal” pode ser encarado tanto como um desafio quanto uma mudança, ou o início de uma nova etapa.
Conhecer também a nomenclatura correta é importante para podermos ler mais sobre as jogadas. Chamamos de colunas as casas verticais e fileiras (ou travessas) as casas horizontais. As oblíquas chamamos de diagonais. Todas as peças, com exceção do cavalo, vão fazer este caminho.
Para melhor localizar o combate sobre as 64 casas, há três zonas:
1 - Ala da Dama:
• Dama: d1 e d8
• Bispo da Dama (BD) – posição c1 e c8
• Cavalo da Dama (CD) – posição b1 e b8
• Torre da Dama (TD) – posição a1 e a8
• Peões da Dama (PD) – posição a2, b2, c2 e a7, b7, c7
2 – Ala do Rei:
• Rei: e1 e e83 – O centro.
• Bispo da Dama (BD) – posição f1 e f8
• Cavalo da Dama (CD) – posição g1 e g8
• Torre da Dama (TD) – posição h1 e h8
• Peões da Dama (PD) – posição f2, g2, h2 e f7, g7, c7
Para começar é bom saber que a jogada chama-se lance e cada jogador tem direito a uma por vez. Começa quem (tem o lance quem) o jogador que estiver com as peças brancas. Todas as peças se movimentam de modo diferente.
Minha relação com os números nasce do fato de que a matemática é uma linguagem e enquanto linguagem dispõe também de um campo poético. O mundo dos números é maravilhoso. A matemática é, assim, outro universo literário.
Manuel Graña Etcheverry, o Manolo
entrevista a Affonso Romano de Sant'Anna
Revista Literatura Scripta.
5 de setembro de 2010
Semana do neversário: sábado, véspera
Eu amo cidades movimentadas! Gosto das pessoas, do nervosismo das cores, da solidão dos olhares. Fez um dia lindo, cheio de calor, muito vento e pouca umidade. Eu, depois de muito tempo, me senti feliz em Juiz de Fora. Tive uma sensação estranha de que tudo que parecia tão grande em outro tempo, agora, se mostrava pequeno. Os espaços entre as coisas estavam apertados, embora eu tenha notado alguns trajetos mais longos. E estas percepções ilógicas me deram um distanciamento perfeito para apreciação do sábado. Nem o prédio fatídico com seu décimo quinto andar pareceu tão grande. Passei por ele sem nenhuma vertigem. Não ter cumplicidade com esta cidade deixou um gostinho de futuro bom na boca. Acho que tinha o gosto do diamante negro que ganhei de presente da Marcele.
Faz alguns dias que falo demais da minha mãe. Senti sua falta, muita saudade e não é raro eu me pegar com vontade de simplesmente lhe encher de beijinhos. Por isso optei vir para casa no feriado e passar meu neversário com ela. Por mim, eu ia na quinta, mas precisava também comemorar com as amigas. E só não fui na sexta porque a ressaca não deixou. Hoje, dispensei até a companhia da Mari, Vovó e Iara para almoçar. Eu estava louca para chegar à casa da mamãe.
Conversamos tanto que chegou uma hora que ela se cansou de mim. Não está acostumada com companhia longa. Ainda mais minha! Pediu para se retirar no fim da tarde e foi travar seu diálogo silencioso com as plantas. Eu aproveitei para procurar uma relíquia que já tinha me proposto encontrar: o livro de Frits Van Seters, um Manual Prático de Xadrez (Je Joue Mieux aux échecs: une initiation claire et rapide).
Uma coisa que não mencionei sobre o Xadrez aqui é que me lembro do meu pai numa fase de encantamento com o jogo. Apaixonado com matemática e charadas como ele era, imagino que ele teve essa fase como eu. Há muito eu pego este livro, folheio, vejo suas anotações de jogadas e piro em imaginar sua obsessão. Um pouco melancólica também desejo que ele estivesse vivo para me ensinar todos os seus segredos. Se bem que eu acho que ele jamais me mostraria de mão beijada. Me faria desafios impiedosos e deixaria bem claro que eu teria que merecer aqueles segredos. Então esta é a novidade. Resolvi deixar um pouco a intuição de lado e tentar através desse livro ouvir algum conselho do meu pai.
Mamãe desceu do seu encontro com as plantas, disse que está chovendo cinzas das queimadas. Fala da limpeza da cobertura do apartamento tal qual ela fosse um Sísifo. Já tomamos nossa dose cavalar de café e agora nos preparamos para nos distanciar de novo até a manhã do dia seguinte; quando inventaremos uma nova informalidade para comemorar os trinta e cinco anos da obra-prima dela: eu. rs
Primeira lição
Primeira lição, primeiro erro: tentar vencer a lógica pela intuição onde há uma técnica que implica algumas idéias de combinação e estratégia, e um espírito voltado para lógica. Jogar com o computador é uma ótima forma de aprender isso. Pois contra uma pessoa, este plano inicial pode até funcionar sobre o viés do erro humano. Mas minhas partidas com a máquina provam que, definitivamente, o xadrez não é um jogo de sorte! O que a história do xadrez ensina, no entanto, é que se a intuição não é uma condição imprescindível, é, pelo menos, o diferencial dos grandes jogadores enquanto etapa de um processo lógico que não exclui a criatividade.
Durante o século XVIII, um músico de 25 anos, Philidor escreveu A Análise do Jogo de Xadrez (1749) e deu o tom ao jogo durante um século. E não foram grandes pensadores amantes do xadrez, como Jean-Jacques Rousseau e Voltaire, que marcaram esta história em especial. Apesar do primeiro campeão ser o matemático alemão Adolphe Andersen (1851), anos depois ele foi desbancado por um misterioso lunático americano de apenas vinte anos de idade, Paul Morphy.
Perspicaz, o filósofo, teórico e prático Steinitz misturou as idéias de Andersen e Morphy para fundar o culto do ataque a qualquer preço, buscando obstinadamente combinações brilhantes e desprezando o jogo de posições. Contudo, o jovem russo Tchigorine não aceitava as idéias de Steinitz como dogmas e o venceu, em 1889, em Havana. Cinco anos depois, um discípulo do xadrez de combate, Lasker, de 28 anos, devolveu a esta estratégia seus tempos de glória e status de “lei imutável da vitória”.
Mas se assim o fosse o xadrez não poderia ser também, entre tantas definições, considerado uma arte. E é por isso que, depois da Primeira Guerra Mundial, uma escola neo-romântica vai defender idéias novas. Nelas, se procura dominar as casas centrais ao invés de sua ocupação pelos peões e também se desenvolve a arte da mobilização. Um grande nome desta escola é o do cubano José Raoul Capablanca. Em 1921, ele viria desbancar Lasker.
Seis anos depois, um russo volta a ocupar os holofotes do mundo do xadrez. Alekhine, encarregado de redigir o livro de um torneio em Nova York, tirou partido das idéias modernas, percebeu a importância das aberturas e descobriu as qualidades e defeitos dos seus concorrentes. Principalmente Capablanca, do qual tirou o título de número um deixando a seguinte frase na história: Capablanca é certamente um jogador que pensa mais rápido do que eu; em compensação, meus pensamentos são mais profundos.
A grande cúpula do xadrez se vê, após a segunda guerra mundial, ameaçada com o desaparecimento de Capablanca e Lasker. Pretendentes não faltavam, mas com a morte do campeão mundial, Alekhine, em 1946, a FIDE – Féderation Internationale Des Échecs – coloca fim à guerra de sucessões e institui a competição oficial. O torneio foi disputado metade em Haia, metade em Moscou e o vencedor, no caso o russo Botvinik, seria obrigado a defender seu título a cada três anos.
Esta vitória leva o Estado Soviético a apoiar fortemente a prática do xadrez e, inspirando-se em nomes como Tchigorine e Alekhine, os melhores teóricos e práticos fundaram a Escola Soviética. Nela, o traço mais marcante seria a reação aos conceitos pessimistas de Lasker, Capablanca e outros.
Assim, se por um lado Lasker sentencia: O xadrez não tem, por muito mais tempo, como nos esconder seus mistérios. A hora fatal deste velho jogo está próxima. Sob a forma atual, ele está fadado a uma morte rápida pela frequência de partidas nulas. Do outro, Alekhine preconiza: Os reformistas afirmam que o progresso da teoria conduz à morte do xadrez e propõem insuflar vida em suas regras, reformando-as. Mas o que exprime esta afirmação? Acima de tudo, o desprezo pela intuição, pela imaginação, e por todos os outros elementos que elevam o xadrez à categoria de arte.
4 de setembro de 2010
Semana do neversário: sexta-feira
Quando Maxime esteve no Brasil me apresentou o Porco Rosso. Trata-se da história de um piloto de avião amaldiçoado com a cara de um porco. Ele era um dos melhores pilotos do mundo durante a Guerra pela Força Aérea Italiana. Mas desiludido, resolve ganhar a vida como um caçador de recompensas, lutando contra piratas aviadores no mar Adriático. Para relaxar, ele e outros pilotos passam suas noites em campo neutro, no Hotel Adriano, o estabelecimento dirigido por Gina, personagem com a qual ele mantém um suposto romance. Queria ver este filme agora e legendado.
3 de setembro de 2010
Há uma coisa que dissolve ossos, e há outra que os constrói. Foi por isso que te dissolvi, pra você voltar. Voltar com fêmur de macho, calcanhar sem a ferida. Foi por isso que te construí, pra você ir embora. Ir com o joelho rompido e o pulso aberto. Há resíduos da operação, o cálcio do vai e vem, e dele fiz tua tíbia, que é minha, minha flauta.
Andréa Del Fuego
Semana do neversário: quinta-feira
Duas rainhas. Como a maioria dos problemas que temos na vida, ninguém me avisou que a gente pode ter duas rainhas no jogo do xadrez. O peão chegar até o fim do reino adversário e se transformar numa Drag Queen eu sabia, claro! Mas pensei que era uma espécie de ressurreição. Agora duas rainhas é um absurdo! Absurdo! E descobri a duras penas nesta tarde.
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menos lirismo... Estou assim de um jeito que qualquer poeira serve de pó mágico. Assim como qualquer trupicão me desencanta. Nenhum equilíbrio, nenhum meio termo.
2 de setembro de 2010
Semana do neversário: quarta-feira
Adoro o dia que trabalho. E também adoro quarta-feira. Sair de casa nestes dias ensolarados que estão fazendo por aqui com meu leitor de áudio bem alto no ouvido. Quando encontro a calçada é como se os créditos começassem a rolar enquanto a música de abertura dá o tom do filme. Um filme de... Daniela Mendes. Estreando... Um bom humor suportável. Luz... Astro rei. Fotografia: menina dos olhos... Trilha sonora... AND THIS IS NOT A TEST. Taking numbers never made sense, anyways. No, this is not a test 'cause you can have it if you want it, anyways. For those of us who try to keep remembering. Try to do our better than our best, think of all the children in the drifts of snow. WINNERS NEVER QUIT, but winters never rest. Sim, pode ser uma comédia romântica bem água com açúcar.
E então eu passo por pessoas tão feias que parecem deformadas. Penso que elas são tão estranhas e percebo que fazem bem aos meus olhos. E se elas fazem bem aos meus olhos, então chego a conclusão que são bonitas. Porque no barroco é assim: para se chegar ao prazer você dá volta nas entrelinhas.
Tudo parece perfeito! Paro no botequim para comprar cigarro e sem que eu peça o garçom já me traz o maço. Dou preferência a eles, mesmo tendo que desviar do meu caminho porque nestes tempos negros de politicamente correto eles são os únicos que ainda mantém um isqueiro pendurado na porta para empréstimo. Ainda discutimos, quando eu compro cigarro picado: se falo picado, se falo varejo, se falo avulso. Prefiro picado, que sempre dá uma conversa sobre língua portuguesa.
De repente, a música fica baixinha, num segundo plano. Uma mulher anda calmamente, mas, de repente, dispara a correr com os olhos esbugalhados. Percebo que ela faz isso para não perder o ônibus. Esta linha demora mesmo... Pode ser a eternidade má, caminho em frente pra sentir saudade... Nem acredito que terminei o email com a letra desta música inteira. Eu disse que sentia saudade. E acho que pode ser a verdadeira causa da minha felicidade. Ter recebido o email e redescobrir sentimentos. Mas não quero nunca mais deixar minha felicidade nas mãos de outras pessoas. Digo olá para todo mundo que passa por mim e repito: o dia está mesmo muito lindo e eu sou muito ridícula.
1 de setembro de 2010
Semana do neversário: terça-feira
Se existe verdade, a única possível é que não acabar é também nunca existir. Este clichê filosófico me acompanha nos dias perdidos como este em que se fica procurando na rede qualquer peixe distraído. Se vai pisar a calçada é sempre com uma esperança. Se toca o telefone, sempre se acredita ser uma surpresa. Nunca é nada disso. E o arroz queima. E a pipoca queima. Valei-me nossa senhora do desperdício! Eu preciso acabar um bocadinho. Por isso resolvi beber no meu neversário antecipadamente. Eu digo assim porque um amiguinho da minha mãe da Fundação Ricardo Moisés me ensinou que é neversário. Você vem para o meu neversário? Eu adotei na hora! Primeiro, pela musicalidade. E não se pode evitar música. Hoje penso: tem este dia em que a gente comemora nosso nunca existir. As coisas que ainda estão porvir. Assim, curtir acompanhada a saudade do que não existiu. Marcele acertou no tom: “Quero beber até sofrer”, ela me disse.
Hoje também foi o dia de tirar os muitos blogs que tenho na rede. Muita abobrinha, muita dispersão e pretensão. Tempo de aprender...
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