(Por Aderbal Freire-Filho, Logo, do Globo)
Há cem anos morria, em Paris, o escritor francês Alfred Jarry, criador dos ciclos de Ubu Rei, personagem inspirado num professor de física que encarnava “todo o grotesco que há no mundo”. Mais tarde, em “Gestos e opiniões do doutor Faustroll”, lançou as bases da patafísica, “ciência das soluções imaginárias”. Precursor do teatro do absurdo (que combatia, pelo nonsense, a incomunicabilidade humana), Jarry é aqui homenageado por um dos cânones do movimento, o espanhol Fernando Arrabal, 75, autor da celebrada peça “O arquiteto e o imperador da Assíria”, que conviveu com Ionesco e Beckett e é discípulo ferrenho da patafísica. Vagamente inspirado por uma visita que fez recentemente ao Rio, Arrabal usa a bicicleta — veículo-mor da patalinguagem (junto com o absinto e o revólver) — para compor, em francês, especialmente para a página Logo, uma série de “notas jaculatórias” (a escrita dos patafísicos), publicada a seguir em versão bilíngüe.
A patafísica é a ciência daquilo que se sobrepõe à metafísica, seja nela mesma, seja fora dela, situando-se tão longe dela quanto ela da física. Exemplo: epifenômeno sendo frequentemente o acidente, a patafísica será sobretudo a ciência particular, embora se diga que não existe ciência senão do geral. Ela estudará as leis que regem as exceções e explicará o universo suplementar a este; ou, menos ambiciosamente, descreverá um universo que se pode ver e que talvez se deva ver em lugar do tradicional, as leis que acreditamos descobrir do universo tradicional sendo também correlações de exceções, embora mais frequentes, e, todo caso, de fatos acidentais que, reduzindos-e a exceções pouco excepcionais, não têm sequer atrativo da singularidade. Definição: a patafísica é a ciência das soluções imaginárias, que dá simbolicamente aos esboços as propriedades dos objetos descritos por sua virtualidade.
Alfred Jarry
Gestes et opinions du docteur Faustroll, Pataphysicien
“(...) A Vida é o Carnaval do Ser, e a ‘Patafisica será então uma ciência da Vida e não do Ser, uma ciência que se baseia no inútil movimento da lógica do absurdo. Tudo se resume à fórmula: O Ser não existe, só o Devir É.(...)”
Instrumento para afugentar moscas, autor desconhecido, 1850
- A Maga e eu falávamos de patafísica até nos cansarmos, já que a ela também acontecia (e o nosso encontro era isso mesmo, e muitas outras coisas tão obscuras quanto o fósforo) cair inesperadamente nas exceções, (...)
Horácio Oliveira
Cortázar, Histórias de Cronópios e Famas
"(...) que ao nosso lado esteja a mesma mulher, o mesmo relógio e que o romance aberto em cima da mesa comece a andar outra vez na bicicleta dos seus óculos".
Cortázar, Histórias de Cronópios e Famas
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